Por Luciano Valina, gerente de Garantia*
A Lei 14.133, de 1º de abril de 2021, trouxe importantes mudanças para o cenário das contratações públicas no Brasil. Dentre elas destacam-se alguns aspectos apresentados em seu capítulo II, denominado “Das Garantias”.
Identificamos, no artigo 99 da citada Lei que “Nas contratações de obras e serviços de engenharia de grande vulto, poderá ser exigida a prestação de garantia, na modalidade seguro-garantia, com cláusula de retomada prevista no art. 102 desta Lei, em percentual equivalente a até 30% (trinta por cento) do valor inicial do contrato”. Convém destacar que “obras e serviços de engenharia de grande vulto” são aqueles cujo valor estimado do contrato supere R$ 200 milhões.
Já o artigo 102 da Lei acima referenciada nos diz que “Na contratação de obras e serviços de engenharia, o edital poderá exigir a prestação da garantia na modalidade seguro-garantia e prever a obrigação de a seguradora, em caso de inadimplemento pelo contratado, assumir a execução e concluir o objeto do contrato, hipótese em que: I – a seguradora deverá firmar o contrato, inclusive os aditivos, como interveniente anuente (…) e II – caso a seguradora não assuma a execução do contrato, pagará a integralidade da importância segurada indicada na apólice.
Diante da base legal acima transcrita, em rápida análise, podemos vislumbrar situações bastante desafiadoras para o mercado segurador de garantia.
Suponhamos que uma determinada obra conte com garantia de 30% do valor originalmente contratado e que, durante sua execução e ao apresentar 90% do contrato concluído, a construtora responsável entre em default e não consiga completar o projeto acordado.
A princípio, e tentando evitar a verdade de que “cada caso é um caso”, a decisão a ser tomada pela seguradora pode nos parecer óbvia. Afinal, para ela, são 30% de cobertura a prestar para uma obrigação na qual apenas 10% restam ser concluídos. Porém, e infelizmente, não é tão simples assim.
Em sua análise para a tomada da decisão quanto a avançar ou não na obra, a seguradora deverá considerar diversos pontos, tais como, mas não somente, (i) os riscos inerentes a responsabilidade pela condução de uma etapa construtiva, atividade essa que não se encontra em seu core business; (ii) os riscos legais decorrentes de eventuais conflitos judiciais entre o segurado e a construtora que abandonou a obra; (iii) a adequabilidade dos possíveis valores “a receber” vinculados ao projeto garantido, (iv) o árduo processo de obtenção de licenças e autorizações legais e, por que não (v) o próprio “risco Brasil”, decorrente da instabilidade jurídica e política presentes em nosso país. Para este último item, espera-se que a edição de um adequado decreto regulamentador mitigue este risco.
Cabe destacar que por mais capacitado e eficiente que possa ser o time da seguradora, indubitavelmente e dada a diversidade das obras cobertas por suas apólices, se fará necessária a contratação de terceiros para a conclusão do projeto. Afinal, ainda que sejam construções, finalizar uma ponte, por exemplo, traz desafios seguramente muito distintos daqueles inerentes a construção de uma estação de metrô. Desta forma, possuir um adequado time, interno ou externo, de gerenciamento de projetos, torna-se quase que uma obrigação para as companhias que irão operar neste ambiente.
Pensando como contribuinte, o desejo é de que a seguradora consiga concluir a obra garantida, respeitando-se o custo e as demais condições presentes no contrato original. Contudo não parece inadmissível que, na ocasião de um sinistro dado o cenário apresentado, esta opte por simplesmente realizar o pagamento da indenização integral cabendo ao ente público reiniciar o processo de contratação para a conclusão do projeto. Importante destacar que tal atitude, a depender dos montantes envolvidos e da quantidade de projetos em default, pode ser fatal para continuidade operacional da seguradora.
*As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não expressam, direta ou indiretamente, as opiniões do IRB(Re).