Por Flávio Hasenclever, gerente de Transportes, Marítimos e Aeronáutico*
A aviação sempre foi conhecida como o meio de transporte mais seguro do mundo, perdendo apenas para o elevador, cuja comparação considero inapropriada, por razões óbvias. De fato, o transporte aéreo é considerado o mais seguro em termos de fatalidades por quilômetro percorrido. Segundo a revista norte-americana Condé Nast Traveler, que publica temas relacionados a estilo de vida e viagens, após estudos estatísticos para determinar quais são os meios de transporte mais seguros para viajar foi constatado avião em primeiro lugar, seguido por ônibus, trens, barcos, automóveis e, por último, as motocicletas.
Apesar das estatísticas favoráveis, o medo de voar é algo recorrente em grande parte da população e sempre que acontece um acidente aéreo, ainda que em pequenas proporções e sem vítimas fatais, a comoção é elevada. Dentre alguns fatores contributivos para tanto, poderíamos destacar a cobertura midiática que aumenta a percepção pública, o impacto visual de alguns casos que geralmente são chocantes, bem como a raridade e gravidade da ocorrência desses eventos.
A impressão que estamos tendo, nos últimos tempos, no entanto, é de que tais eventos não estão sendo tão raros assim, notadamente no Brasil. De acordo com relatório do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), somente nos meses iniciais deste ano, ocorreram sete acidentes aéreos com vítimas fatais registrados no país. Por sua vez, em 2024, o número superou um recorde de oito anos ao totalizar 45 ocorrências.
A construção de aeronaves é uma proeza da engenharia e com a evolução tecnológica cada vez mais rápida, eficiente e inovadora, os riscos inerentes às suas operações vêm sendo mitigados. Sendo assim, qual é a razão então desse aumento, visto que cada vez mais temos aeronaves modernas e seguras? No atual contexto brasileiro, é unânime entre os especialistas atestar que as principais causas identificadas estão relacionadas a fatores humanos, especialmente envolvendo aviões de pequeno porte utilizados para transporte privado.
Se ampliarmos essa análise para o âmbito mundial, um estudo realizado pela Boeing com quase 2.000 acidentes aponta as principais causas sendo erro da tripulação (55%), problemas na aeronave (17%), condições climáticas (13%), controle de tráfego aéreo (5%), manutenção (3%) e outros fatores (7%). Note que, também nesse cenário, a falha humana é majoritária. Importante destacar que muitos casos catalogados como falha de motor, por exemplo, encontram-se também o fator humano atrelado durante a cadeia de manutenção ou mesmo operação da aeronave, principalmente as de pequeno porte.
O fato é que para sabermos com mais assertividade os reais motivadores dos recentes acidentes no Brasil, devemos aguardar os relatórios técnicos que são emitidos geralmente um ano após a ocorrência. Fora isso, temos apenas especulações sem o devido respaldo oficial e dos órgãos competentes. Assim como procedemos no mercado securitário, devemos fazer o mesmo em outros setores segmentando o grande universo da aviação em General Aviation (GA) e Airlines. De forma resumida, GA refere-se a todas as operações de aviação civil que não são voos comerciais regulares e nem operações militares. Isso inclui uma ampla gama de atividades, entre eles:
- voos privados: utilização de aeronaves para transporte pessoal ou lazer, sem fins lucrativos;
- voos executivos: realizados por empresas para deslocamento de executivos e demais funcionários;
aviação esportiva e recreativa: inclui aviação desportiva, planadores, ultraleves e balonismo;
instrução de voo: treinamento em escolas de aviação; - aviação agrícola: pulverização de culturas e outras atividades rurais;
- serviços de emergência: usados em resgates, aeromédico e combate a incêndios; e
- voos fretados e táxi aéreo: serviços sob demanda, mas fora das rotas regulares das companhias aéreas comerciais). Vale destacar que os acidentes ocorridos recentemente, majoritariamente, foram oriundos desse último grupo.
Por outro lado, o segmento Airlines é composto por companhias focadas no transporte aéreo de passageiros e/ou cargas, em voos comerciais regulares e programados, seguindo horários e rotas predefinidas. Geralmente, utilizam aeronaves maiores, projetadas para movimentar um alto fluxo de pessoas e cargas. Além disso, dependem de aeroportos com infraestrutura completa, incluindo pistas longas, terminais de passageiros e serviços de manutenção para suas operações. Trata-se, portanto, de um grupo com operações extremamente seguras e com taxas de acidentes relativas bem inferiores às da GA.
A fim de termos uma ideia da magnitude do volume de voos que vem ocorrendo na atualidade, predominantemente de linhas aéreas, podemos considerar as estatísticas do Conselho Internacional de Aeroportos (Airports Council International – ACI World), representante global das autoridades aeroportuárias do mundo e dos interesses coletivos. Em sua última publicação acerca do conjunto de dados de tráfego aeroportuário de 2023, foi apresentado um total de 8,7 bilhões de passageiros e 115 milhões de toneladas de cargas transportadas.
Já segundo a Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA), por meio do Relatório Anual de Segurança da Aviação de 2023, informou que o número de pousos e decolagens somou 37 milhões. O Brasil responde por parte significativa desse montante visto que registrou 112,6 milhões de passageiros transportados e realizou cerca de 275 mil pousos e decolagens naquele ano.
O propósito de compartilhar tais números objetiva refletirmos a volumetria desse meio de transporte, cujas taxas de crescimento seguem anualmente em dois dígitos, à exceção, obviamente, do período pandêmico. Se confrontarmos o índice de acidentes aéreos com esse enorme universo de voos temos a materialização do quão seguro é esse meio de transporte. Apesar de termos tido a percepção do aumento da insegurança aérea, no ano passado, na verdade, o recém relatório da IATA indica que a taxa de todos os acidentes caiu de 1,25 acidentes por milhão, em 2023, para 1,13 por milhão em 2024. Ainda segundo o documento, apesar do número de fatalidades a bordo ter sido de 244 contra 72 em 2023, o risco permaneceu baixo em 0,06, bem inferior à média de cinco anos de 0,10.
Por fim, respondendo a pergunta inicial deste artigo, entendemos que a aviação, de modo geral, não está menos segura, pelo contrário, a segurança aérea tem melhorado ao longo das décadas devido aos avanços tecnológicos, às regulamentações mais rigorosas e aos protocolos de segurança cada vez mais eficazes.
A história vem demonstrando que o avanço na segurança ocorre de forma contínua e a preocupação com a vida humana é o centro de todo o processo, como bem destacado pelo diretor-geral da IATA, Willie Walsh: “Honramos a memória de cada vida perdida com nossas mais profundas condolências e uma determinação cada vez maior para tornar o voo ainda mais seguro”.
(*) As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não expressam, direta ou indiretamente, as opiniões do IRB(Re).