Por Flávio Hasenclever, gerente de Transportes, Marítimos e Aeronáutico*
A aviação é, de fato, uma área fascinante que tem cativado a imaginação das pessoas ao redor do mundo por décadas. O sonho de voar acompanha a humanidade desde os primórdios e a aviação tornou esse sonho uma realidade, possibilitando explorar os céus e alcançar de forma ágil todos os pontos do globo e mesmo, por que não, outros planetas em breve. A construção de aeronaves é uma proeza de engenharia. Desde o design aerodinâmico até os materiais avançados, sua construção é uma combinação complexa de ciência e arte.
Tal complexidade dessa indústria magnífica reverbera em toda cadeia que a envolve, gerando impactos consequentemente no mercado securitário, que desempenha um papel fundamental proporcionando segurança e proteção contra uma variedade de riscos, que não são poucos, aos quais a aviação está exposta.
Poderíamos pensar que, com a contínua evolução tecnológica oriunda da engenharia aeronáutica, seriam reduzidos os riscos inerentes às suas operações, o que de fato não deixa de ser uma verdade. No entanto, cada vez mais observamos aeronaves sofisticadas que vão sendo lançadas numa escalada constante de valores e, consequentemente, de importâncias seguradas crescentes.
Em um primeiro momento, tal dinâmica poderia ser favorável ao mercado aeronáutico, já que maiores importâncias seguradas significam maiores prêmio auferidos. A lógica só não se concretiza por um importante fator: as taxas não têm refletido a real exposição ao risco.
E por que isso ocorre? Pergunta difícil, mas talvez possamos recorrer ao referido “Paradoxo de Abilene” para elucidá-la. Para quem ainda não conhece, em 1974, o especialista em gestão Jerry B. Harvey cunhou o termo “Paradoxo de Abilene” após uma experiência frustrante com sua família. Eles concordaram em fazer uma viagem para Abilene, cidade localizada no estado norte-americano do Texas, para almoçar num dia frio e chuvoso, apesar de todos pensarem que essa não era uma boa ideia.
Diante de várias ocorrências que supostamente já eram esperadas, o almoço foi um desastre, e quando voltaram para casa, cada membro da família admitiu que achava que a ideia era ruim desde o início, mas, no fundo, eles concordaram apenas porque todos estavam concordando. Aliás, essa dinâmica de concordar com algo que você discorda profundamente é mais comum do que imaginamos, seja na vida pessoal e especialmente em ambientes corporativos, gerando por razões óbvias graves consequências.
Voltando ano nosso instigante mundo do seguro aeronáutico, muito embora todos os atores envolvidos, notadamente corretores de retail, seguradoras, brokers e resseguradores tenham, em grande parte, elevada capacitação técnica e expertise, não raras vezes, se veem obrigados a adotar critérios tarifários ou mesmo apresentarem coberturas para determinados riscos dos quais tecnicamente não gostariam.
O esperado hard market parece ter passado tão rápido que muitos players mal puderam ter a chance de recuperar suas perdas, sendo que muitos deles ficaram pelo caminho não mais ofertando capacidade para o ramo, ou, até pior, encerrando suas operações como um todo.
Nosso propósito, por ora, está sendo apenas apresentar uma visão mais generalista do tema, que poderá ser mais bem detalhado em artigos futuros, jogando luz a cada produto/cobertura e suas especificidades tais como Hull, Liability, Passenger Liability, Crew Liability, Hangarkeepers, Aviation Products Liability, Airport Liability, War Risk Insurance, Aerospace, enfim, todo o vasto universo que compõe o ramo aeronáuticos.
É importante sempre ter em mente que disciplina em subscrição é condição sine qua non, principalmente em relação a linhas de negócio em que o fator severidade se faz presente. No caso da aviação, temos essa máxima potencializada, tendo em vista os elevados limites das apólices sem uma devida massa de prêmios que permita servir de colchão para suportar o que chamamos de large losses.
Se compararmos com outros ramos, como o Property, podemos de imediato observar a diferença de magnitude na arrecadação de prêmios, seja no mercado doméstico ou internacional. Além dessa diferença, o mercado aeronáutico está exposto a pagar indenizações extremante elevadas, como uma recente perda oriunda de um manufactor mundialmente conhecido cujas estimativas para todas as reclamações envolvidas num mesmo sinistro já superaram, e muito, as indenizações decorrentes do evento relacionado às torres do World Trade Center.
Olhando para o futuro, com otimismo, esperamos exorcizar o incômodo paradoxo abordado, de forma a superar todos os desafios da aviação, lastreados em boas práticas de gerenciamento de risco, correta precificação, clausulados adequados que atendam a necessidade dos nossos segurados de forma sustentável e duradoura, sem que deixemos pelo caminho congêneres parceiras, a fim de seguirmos sempre com capacidade suficiente para atender todo o mercado sem gaps de coberturas.
(*) As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não expressam, direta ou indiretamente, as opiniões do IRB(Re).