Por Luciano Valina, gerente de Garantia*
Em 31 de dezembro de 2024 foi publicada no DOU (Diário Oficial da União) a Portaria Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) 2044/2024, de 30 de dezembro do mesmo ano. Este instrumento, que revoga integralmente os dispositivos presentes na regulamentação antecessora (Portaria PGFN 164/2014, de 27 de fevereiro de 2014), nos contempla com as regras de utilização do seguro garantia, no âmbito da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.
Neste cenário, tal seguro tem como objetivo garantir a eventual obrigação do tomador (empresa contribuinte e contratante do seguro) de pagar seus débitos à União ou ao FGTS (segurados, aqui representados pela PGFN), estando estes valores registrados ou em vias de serem inscritos na dívida ativa da União e/ou no FGTS, tanto no ambiente de execução fiscal como em um cenário de negociação administrativa.
Seguindo a sequência na qual os temas são abordados na nova portaria, e limitando a abrangência deste artigo a alguns deles, é válido comentar a previsibilidade apresentada quanto a oferta antecipada do seguro garantia para débitos inscritos em dívida ativa da União e do FGTS e, mediante ao atendimento de condicionantes, também para os débitos não inscritos em tais dívidas.
Trata-se, independentemente de a contemplação do tema referente à oferta antecipada de garantia já ter sido abordado por outra portaria da própria PGFN (Portaria 33/2018, de 8 de fevereiro de 2018), de importante matéria que traz ao sujeito passivo da obrigação (tomador), a possibilidade de discutir o valor do débito sem que caminhos adicionais de cobrança por parte da Procuradoria sejam adotados até que se conclua a discussão. Para as seguradoras temos aqui a possibilidade de novas contratações e a natural oportunidade de ampliação de sua atuação junto ao contribuinte. Para este registram-se benefícios claros, objetivos e relevantes para a manutenção da condução de suas atividades conforme exemplos não exaustivos brevemente abaixo apresentados.
• Acesso a Certidão de Regularidade Fiscal: Uma vez sendo suficiente a garantia apresentada, ou seja, capaz de suprir o valor total do eventual débito em discussão, poderá o contribuinte obter a certidão de regularidade fiscal, ainda que não concluído o processo de disputa ora em andamento. Importante destacar que a suficiência de garantia pode ser obtida, desde que atendidos pré-requisitos específicos, também mediante a composição de recursos (imóveis, máquinas, equipamentos, dentre outros) tornando esta tarefa, eventualmente, ainda menos onerosa para o contribuinte.
• Suspensão de outras formas de cobrança: Uma vez adequadamente garantida a discussão, limita-se a ação da PGFN, e com todo sentido, em avançar com outras medidas de cobrança, como eventuais protestos, registro do contribuinte em cadastros de órgãos de proteção ao crédito, penhora de bens, dentre outros, enquanto a contenda estiver ainda em andamento, protegendo, assim, o próprio patrimônio do tomador.
• Maior flexibilidade para a discussão da dívida: A apresentação da garantia possibilita o embargo da execução fiscal e da materialização de suas consequências, bem como traz ao tomador a possibilidade de, com seu patrimônio protegido, buscar uma melhor negociação com a Procuradoria na busca de eventual acordo ou, até mesmo, sua adesão a possíveis programas de parcelamento de débitos.
Outro ponto interessante a ser apresentado refere-se ao prazo de vigência mínimo estabelecido para as apólices, que agora passa a ser de cinco anos para o seguro garantia de execução fiscal (dois anos na regulamentação anterior). Quanto a este item o legislador acrescenta, ainda, regramento que delega a seguradora a manutenção da cobertura securitária enquanto houver risco, mediante renovações sucessivas da apólice que deve manter todas as cláusulas originais, sendo possibilitada alterações apenas inerentes à atualização do valor da garantia e ao prazo de vigência, sem prejuízo de eventuais alterações nas condições comerciais restritas à relação entre a seguradora e o tomador.
Já em relação as apólices destinadas a proteção da negociação administrativa, a vigência da apólice deverá abranger todo o prazo acordado em tal feita, podendo a PGFN aceitar período de cobertura menor, desde que mantido o entendimento quanto a necessidade de renovação da proteção apresentada nas operações de execução fiscal.
Bem verdade que, inobstante tal regramento estar mais bem explicitado na regulamentação vigente, a intenção quanto a manutenção da cobertura até o fim da existência do risco já figurava no instrumento anterior onde o legislador apresentava como uma das possibilidades de ocorrência de sinistro a ausência de renovação da apólice, ou a apresentação de outro tipo de garantia suficiente, em período inferior a 60 dias do fim de sua vigência.
Destaca-se, também e nesta nova regulamentação, a previsibilidade quanto a manutenção da vigência da apólice do seguro garantia para execução fiscal, ainda que o tomador solicite negociação administrativa dos débitos ajuizados, enquanto não for apresentada e aceita pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional a nova garantia em substituição à anterior.
Quanto a este ponto, ainda que não presente na regulamentação até então vigente, convém comentar que tal prática já era adotada pela PGFN e acatada pelo mercado segurador, confortando-se este na premissa de que o segurado não poderia ficar sem cobertura, mesmo que, do lado das seguradoras, exista o entendimento de que os riscos de execução fiscal e de pagamento decorrente de uma negociação de débitos traduzem-se em situações severamente distintas.
Desta forma, e diante da regulamentação deste ponto, talvez caiba as seguradoras a lição de casa de, tecnicamente e se ainda não o fizeram, reavaliar seus critérios de precificação e avaliação de risco trazendo para a análise de uma operação de execução fiscal também a possibilidade de inadimplência do tomador em um cenário de longo prazo em decorrência da eventual adesão, por parte do tomador, do parcelamento de seus débitos.
Vale destacar, também e inobstante tal entendimento estar alinhado com o presente na Lei nº 14.689 de 20 de setembro de 2023 e ter sido posto em prática em posicionamento trazido pela 1ª Turma do Superior de Justiça em julgamento finalizado em 20 de fevereiro de 2024, a impossibilidade trazida pela regulamentação de forma tácita quanto a execução da apólice de seguro garantia antes do trânsito em julgado (decisão judicial final) ou da rescisão da negociação administrativa, ora em curso.
Importante este destaque pois, até então, a possibilidade de liquidação antecipada do seguro garantia era admitida pelo Judiciário, independentemente do trânsito em julgado e sobretudo para discussões tributárias, uma vez que a regra até então vigente (Portaria PGFN 164/2014) trazia objetivamente esta possibilidade em seu artigo 10, item I, letra “a”.
Para as seguradoras, comentamos que esta nova portaria apresenta prazos e consequências bem definidas, reforçando o conceito de corresponsabilidade no caso de um eventual sinistro já presente na regulamentação anterior. Na hipótese de ausência do pagamento do débito garantido, por exemplo, a seguradora terá seu nome inscrito em lista restritiva, elaborada pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, fato este que impedirá futuras aceitações, por parte da Procuradoria, de novas apólices de seguro garantia emitidas pela seguradora pelo prazo de 180 dias e enquanto permanecer pendente a liquidação da dívida.
Em síntese, a Portaria PGFN nº 2.044/2024 introduz avanços relevantes e maior segurança jurídica na utilização do seguro garantia no âmbito da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, promovendo benefícios tanto para os contribuintes quanto para as seguradoras. No entanto, é importante ressaltar que, além dos aspectos aqui destacados, a normativa contempla diversos outros pontos relevantes que merecem análise atenta, dada sua potencial repercussão nas rotinas e estratégias das partes envolvidas nas discussões de débitos com a União e o FGTS.
*As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não expressam, direta ou indiretamente, as opiniões do IRB(Re).